quarta-feira, 29 de julho de 2009

Seis Silentes

Eu nunca havia me questionado o porque de ter dito o que disse, pelo menos não até agora.
Acho que ela nunca me deixou afinal de contas. De fato sinto que fui eu quem a deixou quando deixei de dizer tudo que podia dizer, tudo que tinha de dizer, ainda que não pudesse dizer naquele tempo. Hoje o tempo é outro e sua justiça se fez ao longo de meu silêncio, que foi abafado por falsas esperanças de um matrimônio quando este se fez tortuoso.
Disse que a amava. Isso há 6 anos - parece pouco, mas no fuso-horário canino conta-se 42 anos - de vontade de um abraço dela.

Hoje dei meu último beijo em minha companheira. Na testa. Espero que seja feliz.

Parto em busca, pois, de minha paixão do passado, que espero tornar vindoura, afinal, "O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente.", quem dizia isso mesmo? Acho que era Quintana...Isso, ele mesmo!
Eu devia ter dito mais naquela noite em que conversávamos. Disse que a amava. Grande coisa quando se fala em tom jocoso! Ela riu. Óbvio. Ri em solidariedade; mais a mim do que a ela. Mas quando deu-se o silêncio, nos fitamos por uns 2 meses - de acordo com o fuso-horário canino; de modo a enrubescer-nos a face num constrangimento que duraria anos. E desconversamos.
Qual pretensão a minha em querer vê-la. Nem ao menos sei se vai me reconhecer. Aposto que não pensara em mim nem um só instante nesses anos. Não se lembrou de mim, e não lembrará. Não lhe comprei flores. Não sei o que direi. Acho que deveria ter posto um terno. Não, formal demais. Um paletó, talvez. Não, querendo parecer mais moço. Ah, vai ser do jeito que está! Diabos! Pareço um adolescente recém alforriado da puberdade.
A despeito de meu tolo nervosismo noto a proximidade da cafeteria onde ela sempre passava as tardes. Tenho a esperança de encontrá-la aqui. Saio do Galaxy que guardo feito jóia desde a época em que a conheci, em direção a varanda da cafeteria, com meus olhos fitando a fivela do meu sapato - que deveria ter lustrado - com uma timidez que me era peculiar aos doze.
Passo pela varanda e esbarro em um garçom que usava um perfume de gengibre e derrubava café em uma senhora. Não peço desculpas. Ele o faz. Entro no estabelecimento e crio coragem para levantar o olhar. Não mudara muito. Tirando as cortinas e os clientes - costumávamos rir, eu e ela, do quão blasé eles eram. Até o velho Duque ainda dormia no mesmo canto. Ainda cultivava o mesmo pêlo seco e cores vibrantes, que já não eram tão vibrantes, pobre bichano.
Corro o olhar por todo o local e nada. Chego a sentar, tomar um café, ensaiar acender um prego, quando lembro que não é permitido fumo dentro do estabelecimento - lembro que foi uma prática paulista na época. Saio, pois, e paro pitando na varanda. Qual não foi minha surpresa ao reconhecê-la ali, sentada na mesma varanda que ignorei. Não mudara nada. Ainda com a mania de fitar o vazio. E de sandálias. Sempre usara sandálias, e lhe caía bem esse ar despreocupado, de unhas bem feitas.
Não demorou e como que por intervenção divina nossos olhares se cruzaram, afinal, o mesmo garçom esbarrara novamente em mim, e desta vez o café me foi de direito. Me recompunha e já sentia seu sorriso. Como era quente esse sorriso - ou era o café?
Ela se ergueu enquanto ia eu em sua direção. Mais uma vez o silêncio foi nosso anfitrião, este que foi quebrado com palavras dela:
- Pensava em você.